O que aprendi com 2020
Acima de tudo, aprendi que nada é absoluto.
Lembro ainda quando alguns amigos comentaram sobre uma tal de COVID-19 viajando continentes e torcendo para não vir para o Brasil. E eu, displicente, com meus planos e projetos, como faço em todo início de ano, em que eu finalmente lograsse sair do isolamento de mais de 5 anos. Ou seja, não fazia a mínima ideia do que ocorria no mundo afora. Um dia a pandemia veio e vi todos experimentarem o que eu já tinha por rotina: #ficaemcasa. Meus aprendizados de primeiro parágrafo: jamais subestime nada, muito menos o destino; nunca se feche para o mundo, ele não deixa de girar por isso; a dor é relativa, depende do ponto de vista.
Minha dor era o home-office ininterrupto, a não convivência que perpetuava. Desenvolvi muitas habilidades e disciplinas para lidar com isso, principalmente controle emocional e estava pronto para dar start no projeto que me recolocaria de volta ao externo. De repente todo o sistema se inverteu, e esse externo se tornou interno absoluto – ops, nada é absoluto. Então, eu saí sim, ousado que sou, e me vi isolado nas ruas de uma cidade praticamente deserta e amedrontada. Quanta ironia! Voltei para dentro e encontrei a convivência social lá mesmo onde eu costumava estar: on-line. Pois bem, nada é absoluto mesmo.
E tantos eram aqueles que não sabiam o que fazer, como fazer, como lidar com o “avesso” das coisas. Assim, fui capaz de dar algumas palavras de ajuda aqui, sugestões ali, perspectivas diferentes acolá, orientações sobre o novo normal naquele outro… Porque era a realidade que eu já vivia. Então vi um lado bom nisso. Meu aprendizado de terceiro parágrafo: há lado bom nas coisas também, sabe?
2020 foi um ano sem precedentes, fato. A Economia sacudiu nos eixos, muitos quebraram, uma forte luta por sobrevivência, uma verdadeira doutrina de choque, muitos foram abalados emocionalmente e vi muitas perdas… Mas sabe o mais interessante nisso tudo? É o poder que a crise tem de transformar o ser humano. Então em meio à sombra vi luzes: a reinvenção, a solidariedade global, as criatividades, novos nascimentos, pessoas comuns se tornando extraordinárias, os paradigmas se reformulando, união de esforços, indivíduos e negócios se adaptando, vi heróis muito maiores que os Vingadores do cinema curando infectados, vi muitas empresas na corrida pela vacina e esta ser feita em tempo recorde jamais possível – ops, isso também não é absoluto – vi a máscara deixar de ser ameaça para virar moda, vi a tecnologia avançar mais rápido do que já era e a inteligência artificial não ser apenas filme, vi comportamentos moldando-se, vi esperanças. Eu vi muita coisa que marcou a História que jamais imaginei presenciar em vida. Meu aprendizado de quarto parágrafo consegue adivinhar? Viva o hoje, só isso. Nenhum amanhã é absoluto, mas é esperançoso e belo do jeito que é. Precisamos às vezes olhar para dentro e se entender melhor consigo mesmo.
Vejo um mundo mais fortalecido, marcado de fortes experiências, daquelas que deixam cicatrizes que contam histórias. Agora vamos para 2021 e não tempos nenhuma certeza do que nos aguarda realmente. Teremos vacinas, teremos um sistema reinventado, reequilíbrio, um novo tudo. Mas lembre-se, nada é absoluto. Nada pode ser garantido daqui pra frente. Porém, não ter garantia de nada também não é absoluto, estou certo? O mundo, após uma revolução 4.0 entrou numa outra era, há uma terra remexida pronta para novas plantações ou novas ervas daninhas, mas eu tenho certeza que podemos descobrir sempre um novo jeito de fazer as coisas. Há um mundo de possibilidades.
Sabe o que é mais intrigante? A pandemia em si não afetou minha vida, não diretamente como aconteceu com muitos. Não. Não prejudicou meu trabalho, não prejudicou meus familiares, nem afetou meu emocional. Eu não senti a crise. Assim como outros também não. Portanto, a pandemia não foi, de igual forma, absoluta. Porém, novamente, indiretamente sim, afetou. Como? A maneira de fazer compras, a maneira de conversar, a maneira de estudar, a maneira de consumir, de se divertir, algumas restrições aqui e ali; dificuldades para trabalhar por causa dos filhos em casa sem ir para a escola, sem brincar fora de casa, sem a devida atenção, muito presos nas telas de uma TV, computador ou celular; problemas no casamento, porque a esposa perdeu acesso aos ambientes que lhe faziam bem; perdas de parcerias de projetos que mudaria nossa vida, mas que o parceiro foi fortemente afetado pela crise... Então o aprendizado do sexto parágrafo: todos são afetados direta ou indiretamente, e este último pode ser mais perigoso do que pensa.
Além disso, aconteceu também algo curioso. A pandemia chegou e interditou meus planos para me expor ao meio social, para me projetar pra fora, para me conectar com as pessoas e fazer novos laços, para explorar novas experiências e possibilidades. Ela interrompeu tudo isso e muito mais. Só que ela nos deu tanto, mas tanto aprendizado, tanta preciosidade de conhecimentos e habilidades surpreendentes e, no final de tudo isso – apesar de não ser final de nada, talvez outro começo –, ela me proporcionou tudo isso que eu estava buscando de um jeito diferente. Fiz novas conexões e tudo isso que descrevi só que não como planejei. Eu fiz parcerias extraordinárias que a pandemia causou. Eu conheci o Empório Vitrine nesse meio tempo, e aqui estamos, compartilhando saberes, construindo histórias – literal e metaforicamente – e fornecendo um chão – ou melhor, vitrine – para muitos que precisam mostrar seus talentos e produtos e aos que precisam consumir isso e ter a experiência que precisam. Foi obra da pandemia. Então aprendizado sétimo: você me diz, se tudo foi difícil e muita prejuízo aconteceu em todo lugar, o que aprendemos com tudo isso?
2020 me ensinou que as respostas não são absolutas, por isso o que precisamos buscar são as perguntas. Esqueça todas as respostas porque elas podem simplesmente mudar radicalmente e deixar de ser o que era. Já as perguntas são imutáveis, mas sinceramente não sei se são absolutas.
Texto/autor: Fillipe Martinho
Área de atuação: Educação, Empreendedorismo, Comunicação
Arte gráfica: @Villaskohl
Projeto editorial: Tess Villa
2020, O FILME – versão resumida
Como a vida acontece num relance, em um piscar de olhos praticamente, a visão que tenho deste momento é aquela de um filme qualquer em que se destrói sua cidade, ou aquilo que você pensa que conhece muito bem até de olhos fechados. E em meio a essa cena, vai você, a heroína, sem capa e com máscara, sim, porque usar máscara é fundamental neste momento em meio a um mar de vírus vilões, poeira, de pedras, de vidas que se foram, por algum motivo que vai além do que se fala ser o motivo. Lá estamos nós, está vendo?
Vamos, então, observar esses destroços, tirar cada pedrinha e pedrona e organizar a casa…
−Bora, está na hora, já ligou o computador pra aula? Entra na sala e me entrega o celular. Nada de redes sociais durante a aula.
E assim está o início de mais um dia na casa desta família, que se uniam 4 gerações em uma casa, porém, agora, os primeira geração lamentam por não poderem vir visitar a família.
−Mas então, mãe, se a saudade aperta, podemos nos ver. Estamos todos bem, tomando os devidos cuidados, até porque fico preocupada com vocês aí, melhor vocês aqui pertinho de nós – fala a segunda geração da família.
Enquanto fala, corre, porque pega no serviço às 9h, mas tem um bônus de hora porque nunca larga cedo mesmo… até porque nessa coisa de home-office, tem mais office do que home…
E no que corre, abre a câmera e aperta a terceira geração para levantar e arrumar a cama;
Dá um beijo (ainda presencial) no marido e pergunta “que dia é hoje”, porque com esse negócio de #fiqueemcasa com tantas lives: é hoje, é amanhã, é “eu sei lá quando”, é difícil acompanhar.
O marido diz: “Uma agendinha não ajudaria?” Pergunta que fica no ar…
E exatamente naquela situação que a vida foi passando, de reunião em reunião, em um esforço muito mais além que o normal, como que, apesar da pressa impressa pelas situações vividas, andasse se pisando na Lua (economicamente falando)… Porque tem as contas para pagar e dinheiro extra não entra, novo serviço não fecha, se fecha é por menos dinheiro (e dinheiro, o que é mesmo???) Algo do século passado porque agora é permuta, parceria, enfim.
Agora outra cena de cinema, um de filme de moda, onde se troca bastante de roupa porque, se vai à rua, tem que ter cuidado com a roupa agora… A segunda e terceira geração quase não saía – porque lembremos do home-office e home-school também. E finalmente a primeira geração chegou à casa. Os avós. Casal bem animado, sabe? Só tem um porém: era uma caminhada, troca de roupa; uma ida à padaria, troca de roupa; se ia ao portão, troca de roupa… E onde troca? No corredor externo mesmo! Porque, afinal, não se pode entrar em casa com a roupa da rua. Faz o quê, tira no corredor?
Em outro momento, a segunda geração conversa com uma amiga bem mais velha que inicia a conversa pelo aplicativo de conversas, apesar de morarem uma ao lado da outra, pois definitivamente tudo deveria ser no virtual:
-E aí, como estão?
-Estamos ótimos, mantendo a forma, fazendo na pista da vida uma corrida e tanto!
-E eu aqui nunca fiz tanta ginástica em casa: tiro os quilos de comida da sacola de compras, limpo-os, faço exercícios com eles, depois coloco-os no armário. Faço movimentos de rotação com as mãos para limpar o que chega do mercado; faço bastante agachamento, trabalhando as coxas, porque mal encosto na cadeira com a roupa da rua, levanto quase num pulo quando me dou conta de que me esqueci de tirá-la ao chegar.
E tudo isso por causa de algo tão pequeno, um vírus, “a coisa” que ninguém vê. E outra dúvida no ar:
-Mas será que existe? – perguntou a amiga…
-Existe o quê?
-A coisa que mata? Isso não foi invenção? Você soube de alguém que tivesse morrido de fato disso?
E a segunda geração não sabe mais se fica feliz porque ninguém perto dela havia chegado a uma situação extrema? E os outros que haviam perdido alguém querido? E filmes vêm na tela de sua mente: um de ficção científica que a fez lembrar que nada de abraços ou apertos de mão, máscara a todo o tempo, limpeza de mãos a todo o tempo; e outro agora de sua amiga com essa pergunta se “a coisa” existia ou não!
E lá se foi a amiga dar uma corridinha, uma pelo corredor mesmo, para pegar água na cozinha – estratégia tomada para aumentar seus exercícios, tendo em vista que não podia sair de casa.
-Ufa, voltei!
-O que houve? Levou 3 minutos para voltar a falar. Pensei até que a internet tivesse caído.
-Vira essa boca pra lá! E como se vive hoje sem internet? E as Lives, os podcasts, os “zilhentos” (como falava sua amiga para indicar muita quantidade), aplicativos de conversa em que estou, sem falar nos grupos que me incomodam com tantas figurinhas, mas que calados podem deixar um vazio.
A segunda geração percebeu a importância da tecnologia para sua amiga que, afinal, vivia sozinha. Mas e se de repente tudo parasse mesmo?
Com facilidade de dispersar – porque era muita informação em pouquíssimo tempo – ela viu um novo filme, um de horror misturado com drama. Muitos “e se” em sua cabeça: E se não voltasse a ser como antes? E se piorasse? E se os óbitos aumentassem? E se o número de pessoas deprimidas aumentasse?
E, de repente, a primeira geração chega tirando a roupa de uma saidinha rápida e pedindo álcool para passar nos sapatos; seguidos da terceira e os da quarta geração que foram tomar café, mesmo sem poder, mesmo em distanciamento social; mas ouvindo as gargalhadas das crianças (aquelas de quem sorri com a Alma), a bronca de “vocês não podiam ter vindo” se desfez e abriu-se um sorriso. Até porque a quarta geração (crianças sapecas, mas lindas) estava muito bonitinha com as máscaras de desenhos animados e, para surpresa geral, estavam super adaptadas, como todas as outras pessoas ao seu redor que até faziam da máscara um novo acessório, até sob suspeita de virar moda depois de tanto costume do uso, pois, afinal, lá se iam 9 meses de pandemia.
O filme de nostalgia ia se dissipando porque, apesar de o número de perdas ser grande – perda de vidas, de poder aquisitivo, de trabalho -, a segunda geração via a vida correr à sua frente, com até um toque de filme de comédia daquelas cenas hilárias de uma família muito unida, passando para a tela de um coração aquecido de um filme com um toque mais espiritualizado. E, aqui, congela-se a cena que era clara, a de super heróis, que por algo interno são movidos a vencer diariamente os medos, os desânimos, as notícias ruins, que são convidados a fazerem do limão uma bela torta de limão e ainda colocam umas gotinhas no chá.
Neste momento, encerra-se o documentário “Várias Maneiras de se Enfrentar o COVID”, onde todas as pessoas são protagonistas deste momento da História que vivemos: “2020, O FILME”.
Texto/autora: Tess Villa
Área de Atuação: Educação, Arte Literária, Contação de História
Arte gráfica e ilustração: @villaskohl
Projeto Editorial: Tess Villa
9º Festival à vista! Onde? Bem “no quentinho do coração :)”
2020 mal começou e ficamos com um gosto de que esse ano não acabaria, mas está quase chegando ao fim. E para nó do EV temos o que celebrar: momentos marcantes, mas paremos! Agora não é hora de nossa retrospectiva – ainda.
Só se for para lembrar do Salão Dandara Soul, especializado em cabelos afros, que fica na cidade de São José dos Campos e que precisa abrir filial em outros municípios de SP, quiçá do Brasil e do mundo porque suas idealizadoras, as irmãs Juliana e Janaína, além de entenderem dos lindos, mas sensíveis cabelos dos filhos e filhas da África, também entendem de ‘ser humano’ e os cuidados que essa ‘espécie’ precisa. Nossa gratidão por toda a parceria.
Mas continuamos fechando com chave de outro, trazendo profissionais maravilhosos e, claro, com aquela música que contará com João Aquino e suas músicas autorias e Dois Rios, completando um aninho de chegada ao Empório Vitrine, também com músicas autorias.
E ainda tem Remate Colaborativo no dia 11/12, cujas inscrições se encerram em 10/12 e também a doação às crianças e jovens. Haja coração quentinho! Mas vamos deixar de prosa pois do contrário o dia 13 chega e não acabo de publicar sobre ele – porque tem alguém com pressa nesse 2020!
E SE MINHAS TRANÇAS CONTAREM
“E se alguém ver, e se me pegarem, e se…?”, pensou Ana Lee que levou um susto quando seu melhor amigo fez um “buuuu” do tamanho do mundo.
Intrigado com o comportamento de sua amiga, ele começa indagando se sua irmã mais velha sabia onde ela estava, ao que ela respondeu que não, com vontade de mandá-lo sair logo dali. Mas claro que ele percebeu e ignorou totalmente, como bom adolescente que tem por característica vestir-se, calçar-se, colocar boné e cachecol de chato, porque carapuça – como ele diz – só serve para o saci; e ele, Bob Marcos, tem estilo (seu nome de fato era Roberto Marcos, mas Bob era mais estiloso.
– Roberto… – iniciou Ana.
– Bob, por favor.
– Ai, Roberto Marcos, não estou podendo com isso – disse Ana que sabia como irritar o amigo.
– Eu disse Bob! Retrucou enquanto passava a mão no cabelo com um topete que ele faz questão em colocar bastante pasta com cola pra deixar bem pro alto.
– Roberto Marcos, então preciso falar sobre isso com alguém.
O rapaz podia ser chato assumido, mas sabia muito bem quando sua melhor amiga estava tensa, ou triste. Segundo ele, sua pele marrom, que ele tanto gostava – pois era de um tom de chocolate que ele nem ligava, mas que em Ana Lee era lindo -, reluzia, mas sim, sua pele ficava levemente pálida quando ela estava um “pouco fora do prumo”, como ela dizia.
– O que foi, Ana Lee? – A jovem tira da bolsa um diário, porém não era um diário novo, logo não poderia ser dela.
– Que caderninho velho esse, hein.
– Veja como fala! Ele deve ter minimamente 100 anos.
– Nossa, que velho mesmo! O que você está fazendo com isso?
– Lendo sobre a história de minha gente.
– Ah, entendi – com uma cara que não fazia ninguém acreditar.
E a partir daí, ela começa a contar sobre um lugar longe, muito longe, que ela mesma não tem ideia de onde é, porque perdeu as referências e nem a piadinha sem graça de seu amigo de que “tio Google pode ajudar” adiantou, e ela começou falando:
Sua tatatatatata – não sabia quantas tatas atrás disse a sua avó, a quem pertencia o diário – disse que eles descendiam de um grupo meio que nômade da África, mas que registravam predominante os iorubás, que eram várias populações do mesmo tronco linguístico. Eram, então, os efãs, ijexás, egbás, entre outros povos. Mas alguém anotou por cima da anotação feita que habitavam a atual região da Nigéria e do Benin.
Além do idioma, eles tinham traços culturais e religiosos em comum e estavam organizados em cidades independentes entre si, mas todos acreditavam que elas tinham uma mesma origem divina e Ilé Ifê havia sido escolhida pelo sagrado, o deus Olodumaré, como criação do mundo, sendo por isso considerada o centro espiritual dos iorubás e era governada por um grande sacerdote.
Nesse momento, Ana Lee falava com tanta empolgação, com tanta identidade que Roberto Marcos, ou melhor, Bob Marcos parecia ver esse sacerdote em sua frente. E a empolgação da menina continuou:
– E você sabia que as outras cidades possuíam chefes que eram eleitos por um conselho e que eles deveriam governar apenas por um tempo determinado?
Roberto fez que não com a cabeça, constatando que não sabia muita coisa sobre a África, porque nas escolas não falam muito. O que ele sabia mais vinha por Ana Lee, uma menina que era preta na pele e na essência, forte e valente porque, quando tentavam fazer chacota dela, ela sempre dizia: “Olha lá como fala, pois sou Ana Lee, descendente da África, berço das civilizações.” E a menina com suas tranças era como uma heroína para ele, um menino de seus 12 anos, de pele branca, que os meninos mais fortes, os valentões, chamavam de “branco azedo” e era Ana Lee que o livrava das perseguições que até brigava por ele. Os dois eram… queijo e goiabada que tanto gostavam de comer naquelas Minas Gerais onde moravam.
Roberto e as demais crianças das escolas só conheciam um pouco mais sobre a história da África quando os professores, animados pelo Dia da Consciência Negra, faziam algo diferente juntando geralmente português, história e geografia. Mas era sempre muito do mesmo, fato que fazia Ana Lee debater porque não existia para ela a ideia de um dia para celebrar questões dos povos da África, tendo o continente a importância que tinha. Assim como não engolia Dia do Índio, porque “o que os indígenas faziam nos 364 dias do ano? Dormiam até o próximo 19 de abril?”
E a menina em seus plenos onze anos tinha muitos questionamentos que poucas pessoas gostavam, principalmente na escola, onde ela achava que deveriam gostar de estudantes questionadores e questionadoras – ela gostava de enfatizar o gênero feminino das palavras.
Entusiasmada, a menina continuou alertando que as cidades iorubás também controlavam rotas comerciais, as que iam do litoral para o interior da África. Avançando, dizia que eles tinham grandes conhecimentos na metalurgia, da qual faziam armas, instrumentos e obras de arte, além de possuírem importantes centros de artesanato, com presença de tecelões, marceneiros e ferreiros. Isto tudo antes dos portugueses chegarem.
– Infelizmente, já existia tráfico entre os próprios povos africanos, resquício do poder do qual a humanidade parece não perceber que acaba com ela mesma. Os árabes muçulmanos encontraram, assim, meios que já existiam para a compra de escravos para os seus propósitos.
Nesse momento, Roberto Marcos ouve alguém chegando. Ana Lee sai de suas imagens de dor de seu povo e percebe algo que a faz guardar o diário às pressas. Quando alguém se aproxima.
– Ah, é você, Marta. Que susto! – falou o menino com ar de alívio ao mesmo tempo que ficou em alerta e percebendo que sua melhor amiga estava pálida; tentou disfarçar:
– Mas como estava falando, o filme tratava de tráfico de escravos, é isso?
– É, é isso mesmo… você sabe como eu fico chateada com esse assunto.
Marta não aceitou muito a resposta, pois, ao chegar, viu Ana Lee muito empolgada falando tal qual fosse uma professora. A menina, prima de Roberto, não era a companhia das mais queridas de Ana, tampouco do primo. Era uma pessoa que pensava muito nela e gostava de colocar-se superior aos outros, meio que tentando esconder algo, que não sabia o que poderia ser. Mas a única coisa que sabia seu primo é que seu pai abandonara a família há uns três anos. Segundo sua fala, “de uma forma nada criativa: disse que ia comprar cigarros e nunca mais voltou. Nem criativo ele foi”. Talvez isso fosse uma explicação para ela se tornar o terror dos menores, talvez isso fosse o motivo para ela pegar tanto no pé de Ana Lee, que conseguia sobressair nas aulas por sua facilidade em aprender e nem ao menos ficava rosa quando pegava sol! Marta sempre ficava pensando sobre essa tal de melanina dos afrodescendentes.
Mas, enfim, o fato era que ela estava lá com a pulga atrás da orelha, e nem Roberto nem Ana podiam continuar conversando. Ainda por cima, Ana tinha que ficar esperta, porque Marta era bem do tipo de puxar a bolsa para ver o que tem dentro, tendo em vista que ela estava incomodada com a resposta que Roberto deu, na verdade nem um pouco convencida.
– E qual era o nome do filme? – quebrou ela o silêncio de alguns segundos que pareciam horas e que fez o meninos entenderem que Marta não iria logo embora.
Ana, ainda pálida, cuidando demasiadamente de sua bolsa, fato que levava a astuta Marta à desconfiança e a se aproximar mais da menina acuada, e consequentemente da bolsa, não sabia o que dizer.
Foi quando Roberto teve a excelente ideia de lembrar, sim!
– Nossa! Temos prova amanhã de boatemática (forma que a mãe de Marta se referia à matéria tão temida pela jovem que ficou reprovada exatamente por ela).
– Aiii!!! – disse Marta, voltando-se para Roberto e perdendo o foco de Ana Lee. Por que você tinha que lembrar, Roberto?
– Bob, por favor, disse o menino. Porque não quero ver minha priminha reprovada e temos que correr porque sua mãe pediu minha ajuda e de Ana Lee.
Se tinha coisa que mais deixava Marta irritada, além do ridículo codinome que seu primo se dava, que Marta só falava quando citava Bob, o bobão, era ter que estudar com Ana Lee, que sem que sua mãe ouvisse, ela – Marta – fazia questão de chamar de calça Lee, ainda que Ana nem se importasse.
Na verdade, Ana percebia as dificuldades de Marta: dificuldade com suas emoções que a levavam a fazer coisas nada a ver, a tentar magoar pessoas para se sentir superior. Tentativa também de fugir das explicações quando perguntava quanto tempo levava para fazer as tranças de Ana Lee.
O que Ana – a jovem que trazia consigo o Lee da cantora que a mãe muito admirava – gostava de falar pra menina Marta nesses momentos era que se suas tranças pudessem falar, contaria muitas histórias, inclusive a de uma jovem moça que tentava fugir das aulas com conversas paralelas em vez de resolver logo o problema. Mas, sim, se as tranças de Ana Lee pudessem falar, contaria muitos contos de seu povo, de sua riqueza e lutas, de sua beleza, mas também contaria histórias de heróis e heroínas dos dias de hoje, africanos ou não que trabalham por uma vida melhor para todos.
De certo, ela também contaria sobre seus amigos, crianças em corpos de jovens, seu amigo Bob Marcos – vamos falar o que ele gosta de ouvir – e até Marta que, por não dar conta de suas dificuldades, arruma problemas para si mesma; porque Ana, assim como seu povo, acreditava que todos que vêm a este mundo, mais cedo ou mais tarde, precisam prestar contas de seus atos.
E nessa hora, ouvia a voz doce de sua avó: “Então que possamos viver bem, tendo respeito pela vida, e nossas contas estarão quitadas.”
Texto/autora: Tess Villa
Área de Atuação: Educação, Arte Literária, Contação de História
Arte gráfica e ilustração: @soujuoliveira
Projeto Editorial: Tess Villa
O LEÃO E O BICHO-HOMEM
O Leão rodeou o mundo inteiro, desafiando os animais da selva lutando, espancando todos eles, saiu vitorioso e foi declarado Rei.
Mas, mediante a essa declaração do respeito e honra que recebera depois que conquistou a vitória, sentiu-se orgulhoso e envaideceu-se. Os fatos narravam que além dos animais que existiam na selva, cujos Leão havia derrotado a todos, ainda havia um do qual os animais davam testemunho ao Leão, dizendo:
– Tu podes até ser o rei da floresta, mas há um em que nele reina a sabedoria, inteligência e poder de transformações na Natureza e no mundo, em que a este tu não podes vencer nem dominar. Dizia a Raposa ousada.
– E quem é este, de quem tu me falas assim e outorgas-lhe tudo isso? Perguntou o Leão curioso e convencido.
– É o Bicho-homem, que não vive na selva, mas vive em grandes cidades e edifícios, ora em casas de pau-a-pique, que o mesmo constrói com sabedoria e inteligência. Respondeu a Raposa.
Convencido de que era capaz de desafiar o Bicho-homem, disse o Leão:
– Eu vou à procura desse tal Bicho-homem para vos provar que eu sou o rei, até capaz de dominar o Bicho-homem e reinar entre eles.
Então lá se foi o Leão à procura do Homem.
Depois de uma longa caminhada de quilômetros, o Leão deparou-se com um garoto e perguntou-lhe logo:
– Será que você é o Bicho-homem?
Porém, receoso e assustado, o menino respondeu:
– Não, senhor. Ainda não sou, mas estou quase para ser ele. Respondeu o garoto.
Receoso, o Leão disse consigo mesmo:
– Não é este que quero, preciso daquele que diga unicamente: “Sim, sou eu!”
E lá continuou ele com a sua marcha.
Depois de mais dezenas de quilômetros, o Leão cruzou-se com um senhor já idoso e perguntou-lhe:
– És tu o famoso Bicho-homem que ouço dizer da boca de todos os animais da selva de quem eu sou o rei, mas a ti se atribui honra, glória e poder, enquanto eu domino entre eles? Perguntou o Leão furioso e altivo.
Ainda tranquilo, respondeu o velho calmamente:
– Não, senhor Leão. A verdade é que eu era, mas já não sou mais.
Ouvindo isso, o Leão retirou-se, dizendo consigo mesmo:
– Não é este que eu quero, quero aquele que simplesmente diga: “SIM, eu o Sou!”
Mais adiante encontra-se com um jovem caçador que estava bebendo água no rio. Disse o Leão consigo mesmo: “Este deve ser o tal de quem eu estou procurando.”
Aproximando-se, saudou o Leão:
– Boa tarde, parceiro!
– Boa tarde, amigo Leão – respondeu o homem -, em que posso lhe ajudar, colega?
Porém bravo e convencido de que haveria de ganhar a competição, perguntou:
– Ah! És tu o tal Bicho-homem de quem todos os animais da selva falam perante mim, atribuindo-te honra, glória e poder, enquanto eu domino entre todos eles?
Cheio de ousadia, o homem respondeu:
– Sim, eu sou o Bicho-homem! Portanto, o que você quer de mim?
– Ahaha, ainda bem! Eras mesmo tu que eu estava procurando. Visto que eu reino entre todos os animais, a minha honra, glória e poder não devem ser atribuídos a outra pessoa.
– E o que tenho eu a ver com isso, senhor rei da selva? Perguntou o caçador ousado e já bem agachado com o seu rifle nas mãos com o dedinho no gatilho.
– Não é outra coisa que aqui me trouxe, parceiro… eu rodeei o mundo inteiro desafiando todos os animais da selva e venci-os todos! No entanto, fui declarado rei. Agora, quando me falaram de outro dominador, eu fiquei pasmado, razão do qual vim desafiar-te para concluir a minha tarefa!
– Ah, é mesmo?! Retrucou o homem. Já que assim queres, então vamos a isso, amigo!
O Leão, enraivecido, saltou a uma arvorezinha, preparando-se para atacar o homem, enquanto já o dedo da mão do homem estava bem no gatilho da sua arma. Num instante em que o Leão tenta saltar pronto ao ataque, um disparo alarido saiu do rifle espantando e afugentando as aves e macacos na mata…
“PAMMMMMM!”
Aterrorizado, deu um pulo do outro lado e, com a pata ferida, fugiu para a floresta, gritando:
– De hoje em diante, já não posso desafiar o Bicho-homem, pois graças a sua inteligência, conseguiu livrar-se das garras do animal mais poderoso que existe no mundo. Assim, livrou-se e ganhou esta batalha. Digno és tu de honra, poder e glória porque, afinal, nem sempre aquele que é mais forte é o melhor! Porque, afinal, a inteligência até certo ponto é mais poderosa do que a própria força; mas ficas sabendo que, a partir de agora, tu meu inimigo és, e ai de ti se eu te encontrar indefeso!
Eis aí a razão do qual o Leão ataca o homem quando o encontra indefeso.
Texto/autor: Moisés António
Instagram: @moises_7
Principais Áreas de Atuação: Arte Literária e Docência
Arte gráfica e ilustração: @villaskohl
Segredos de uma vida saudável
Vida saudável.
Será que não estar doente é estar saudável? Bom, há quem diga que sim, porém é muito mais do que não estar doente.
Para conseguirmos manter uma vida saudável, é necessário primeiramente o autoconhecimento, entender seu corpo, cada simples sintoma, quando o corpo fala, mas muitas vezes não ouvimos. Nós somos capazes de ouvir as grandes orquestras, os sons do mundo, das buzinas, dos cachorros latindo, tudo nos desperta. Mas quando os sintomas do meu corpo vão me despertar?
Despertar para uma vida plena, para hábitos de nutrição adequada, menos contaminação com pílulas, com comidas enlatadas, empacotadas, cada dor de cabeça, ataque de pânico, ansiedade, um coquetel de substâncias que estão me destruindo aos poucos.
Despertar para o movimento, meu corpo é uma máquina e como tal as engrenagens precisam mover-se para manter o equilíbrio, a elasticidade, quando vou me mover.
Despertar para o entendimento de que cada sintoma tem uma causa, e ela, a CAUSA, deve ser a minha busca, e não simplesmente entender que é normal. Até quando vou achar normal ter dores de cabeça, gastrite, dor de estômago, infecções, resfriados constantes, pressão alta, colesterol alto, diabete…? Parece que conhecemos de “cor e salteado” uma infinitude de enfermidades que nos assolam, mas quando estamos buscando conhecer o nosso corpo, para não abandoná-lo a mercê dos NORMAIS, tudo tornou-se normal: viver doente é normal, as crianças acima do peso, desenvolvendo ansiedade, tudo é normal, tomar remédios – ou melhor venenos controlados -, tudo virou normal.
As farmácias se multiplicam, cada vez mais buscamos uma novidade nas prateleiras, quando no cantinho do quintal podemos ter muitos benefícios, em nossas plantinhas, hortelã, erva cidreira, erva doce… Cada aroma que pode me auxiliar na busca por mais tranquilidade e equilíbrio.
Cada emoção sentida, quando reconhecida, pode ser trabalhada e então podemos evitar o desenvolvimento de muitas enfermidades, uma vez que nossa energia se desequilibra e perdemos o controle. E dia após dia, as emoções são contaminadas e nosso corpo paga o preço; o preço de não pararmos para reconhecê-lo, compreendê-lo e em um simples ato de compaixão pelo nosso templo sagrado, onde reside nosso divino, nossa essência, entender o que precisa ser mudado, o que precisamos aprender, buscar, e onde precisamos agir para que ele possa nos levar até o nosso propósito final com menos dor, menos desequilíbrios e muito mais possibilidades de uma vida com verdadeira saúde.
É hora de pararmos de cuidar das doenças e começar a cuidar da saúde. O remédio remedia – vale a redundância -, mas não precisamos remediar, precisamos cuidar, amar nosso corpo e, assim, vamos alcançar uma velhice plena, pois ela vem com certeza. A nós basta escolher como queremos envelhecer, e a responsabilidade é de cada um de nós. Aliás, está aí um outro fator muito importante, depois do autoconhecimento: A Autorresponsabilidade. Até quando vou deixar a minha saúde nas mãos de outros, quando ela só diz respeito a mim, já que ninguém pode se responsabilizar pela minha saúde. A cada emoção que permito me desequilibrar, a cada alimento que me permito contaminar, a cada hábito que me permito destruir meu corpo, só consigo ver um responsável por tudo: EU MESMO.
Quando desconheço os sussurros do meu corpo me pedindo socorro, eu estou me destruindo, e somente a partir da consciência poderemos iniciar as mudanças, que devem acontecer primeiramente em nossa mente. Precisamos assumir o controle, ter autorresponsabilidade, e buscar o autoconhecimento. A hora de mudar é agora.
O mundo está se voltando para seu interior, buscando formas de cuidar-se; voltando a nossa consciência para um estilo de vida natural, através das terapias alternativas, de uma nutrição que deixa os congeladores dos supermercados e volta para as feiras ou as pequenas hortas caseiras. É o simples que faz a diferença, a simplicidade é divina, ao passo que a complexidade é humana. Então sejamos simples e vamos encontrar o caminho, abrir portas que foram fechadas por nós mesmos. Um passo de cada vez .
As sementes, as folhas, os frutos, os aromas… – Ah, os aromas! Alimentam nosso corpo e nossa alma, nos dão suporte para estabelecer o equilíbrio nas nossas emoções, na energia que prevalece em nosso corpo e nos direciona. Cada gota sutil que nos traz uma molécula de bem-estar e tranquilidade, aliados que nos foram dados pela mãe natureza e que por muito tempo não demos a eles seu lugar de destaque: os óleos essenciais.
Óleos essenciais são gotas de paz e equilíbrio, são extraídos das plantas, sendo amplamente utilizados para o suporte e manutenção da nossa saúde. Através da Aromaterapia, a arte de utilizar os aromas para tratar nossos desequilíbrios, os óleos essenciais fazem parte do sistema de defesa e de reprodução das plantas. São gotas mágicas que atraem ou repelem, conforme a necessidade da planta para sua sobrevivência.
Muitos estudos vêm sendo feitos para comprovar a eficácia do uso dos óleos essenciais para a nossa saúde, e seu uso vem crescendo a cada dia, pois os resultados têm sido muito satisfatórios. Essas substâncias são compostos químicos que agem em nosso corpo nos auxiliando em muitos aspectos, agindo em nossa fisiologia, no emocional e especialmente em nossas vibrações.
Dentro das terapias quânticas também tem (plural?) se obtido muitos resultados satisfatórios para a melhoria do estado de saúde, trabalhando na elevação da frequência vibratória. Os óleos essenciais também auxiliam de forma a melhorar a nossa frequência – o que em muitos casos é onde se originam os desequilíbrios. Quando nos permitimos acessar frequências muito baixas constantemente, isso prejudica nosso estado geral de saúde, iniciando processos de doenças, nosso sistema imunológico se desequilibra e as doenças se instalam geralmente onde estamos mais vulneráveis.
A pergunta que não quer calar: Até quando vamos fingir que esta mudança não está ao nosso alcance?
Aromaterapia, homeopatia, florais, fitoterapia, reiki, radiestesia, cura prânica… São muitas terapias alternativas que podem nos direcionar e nos dar suporte para uma vida saudável. Porém a verdadeira solução está dentro de cada um de nós, precisamos decidir viver melhor. Este é o grande desafio.
Texto/autor: Elizângela Maria Simões
Instagram: @elizangela.simoes
Área de Atuação: Aromaterapia
Arte gráfica: https://br.freepik.com/fotos-gratis/compressa-de-ervas-e-equipamentos-de-tratamento-de-spa-com-ervas-colocados-em-piso-escuro_11407545.htm#page=1&query=bem%20estar&position=8
Bumerangue
No 3, conto outra vez!
Era uma vez… dois irmãos: Amanda e Bernardo. Eles viviam com seus pais e o seu avô em uma casa simples, mas repleta de respeito, carinho e amizade. A avó já tinha partido para as estrelas.
Ali perto de casa havia um parque.
Tinha também uma Doutora em botânica… Ela estava animada por ter encontrado uma árvore raríssima.
– Que maravilha! Encontrei uma muda desta planta e logo aqui! Tão pequenininha… um bebezinho. Vou voltar ao laboratório e pegar material para colher esta amostra melhor. Mas… Ah, já sei! Vou colocar meu chapéu aqui, e esta pedra vai ajudar para não ser levado pelo vento.
E assim a Doutora Sandra foi quase saltitante quando, pera, vejam! Amanda e Bernardo estão chegando no parque brincando, quando:
– Epa, ai que pedra! – grita Bernardo.
– Mas é sem jeito, viu! E ainda dizem que irmão mais velho sabe das coisas.
– Que engraçadinha! Mais respeito, menina. Olhe, um chapéu!
– Ah, que lindo! – falou Amanda com entusiasmo de criança.
– Amanda, é só um chapéu.
– Mas tem uma pena e uma pedra pendurados.
– Parece o chapéu da Dona Ida sem volta.
– Que feio! Fazendo graça com o nome dos outros e ainda uma senhora. Mamãe sempre diz que devemos fazer com outros aquilo que queremos receber do universo.
Bernardo ficou sem jeito com a observação de sua irmã, pois sua mãe sempre disse a eles que precisavam respeitar como queriam ser respeitados…
– Eu só estava…
– Bernardo, deve ser mesmo o chapéu de Dona Ida.
– Podemos levar o chapéu pra ela – continuou a irmã animada.
– Ah tá, Amanda. Legal! Nada feito! Preciso ir logo pra casa, tenho mais o que fazer.
– Hum, sei, vai ficar de joguinho. Sei, sei. Mas Dona Ida faz uns biscoitos maravilhosos, e além de fazermos uma boa ação, ainda podemos ganhar uns biscoitinhos.
Amanda sabia bem como ganhar o irmão.
– Mas, pensando bem, até que é muito importante devolver o chapéu de Dona Ida sem v… da Dona Ida.
E lá se foram os dois, até que…
– Dona Ida! Dona Ida! – Bernardo encheu os pulmões… Dooonnnaaaa Iiiiidaaaaa!
– Ahhhh, quem me grita? Desse jeito vou ficar surda. Ah, são vocês! O que essas crianças tão lindas querem comigo?
– Dona Ida, encontramos este chapéu no parque e gostaríamos de saber se ele é da senhora – Amanda começou.
– Ah, muito legal vocês terem se lembrado de mim, mas não quero comprar este chapéu, não.
– Comprar? – perguntou Amanda. Ele então não é seu?
– Isso! Deve ser do Amadeu, o rapaz da mecânica.
Mas logo desistiram porque o Amadeu não deixava sua oficina. E Dona Ida sentindo-se animada:
– Meninos, pode ser da Cidinha. Isso, da Cidinha mesmo!
– Cidinha adora ir ao parque. Pode realmente ser dela!
– Ah, a tigela, depois vocês trazem.
Os meninos se olharam e seguraram o riso, pois sabiam que não seriam nada gentis rindo. Agradeceram e, ao se virar rapidamente, perderam-se nos risos, mas risos de felicidade por terem visto o pote de biscoitinhos da Dona Ida e…rumo à casa da Cidinha!
E lá foram os irmãos. Mas, no meio do caminho, duas pessoas chegavam no parque. Os dois se colocaram atrás da barraca de cachorro-quente.
– Excelente ideia, Maurício! Um cachorro-quente, por favor – disse o mais alto e mais corpulento.
– Peixe morre pela boca. Agora, não, Leandro! Quer acabar com nossa missão? – repreendeu o mais baixo e bem magrinho.
– Hehe, missão de ficar espionando os outros.
– Fica quieto, coisa! Só sabe comer, é?
– E vê como fala! Isso é bullying.
Maurício fez “xiii” com o gesto porque Doutora Sandra entrou no parque e já de longe percebeu que seu chapéu não estava onde tinha deixado.
– Mas o que será que aconteceu? Eu podia jurar que tinha deixado por ali… – e nisso ela coloca os olhos em direção aos homens, os dois que se escondiam atrás de uma bancada abandonada perto de um quiosque de lanches.
Maurício se abaixa enquanto Leandro se levanta e dá tchauzinho.
– Você enlouqueceu? – Maurício diz enquanto puxa o amigo. Dando tchau pra ela? Já esqueceu que ela nos conhece?
– Claro que não. Admiro muito a Doutora. Sandra – disse Leandro.
– Admira? Você tem que admirar nosso chefe, isso sim!
– Admiro, não. Vive espionando porque não consegue fazer igual, nem melhor que ela.
– Vou fazer de conta que não ouvi isso.
Depois de procurar que nem louca seu chapéu, a Doutora se aproxima do quiosque e pede um suco.
– Sim, Doutora. O de sempre? – Perguntou Raimundo, dono do quiosque.
Nesse momento, Maurício gelou, porque Sandra estava bem perto deles. E Leandro até quis que ela os achasse, pois assim terminaria logo aquela missão.
– Sim, por favor – respondeu Sandra. Raimundo?
– Sim, Doutora.?
– Você reparou se alguém pegou um chapéu?
– Um chapéu bege?
– Sim!
-Com as siglas de onde a Doutora trabalha?
– Sim, isso mesmo!
– Que a Doutora perdeu hoje?
– Isso mesmo, você viu???
Sandra estava ficando animada, quando…
– Não, não sei de nada. Mas é que sempre vejo a Senhora com o chapéu, e agora não está.
– Ah, tá! (Desanimada)
– E hoje também vieram dois homens, um deles perguntando pela Doutora.
E levantando de súbito, Leandro tentou se explicar:
Eu não perguntei por ela, é que… (O outro não sabia onde se enfiava.)
– Você aqui?! – disse Sandra. Pelo jeito que só andam grudados, o…
E Leandro puxando Maurício pela camisa:
– Está aqui, sim. Ela quer falar com nós dois.
– Oi, Doutora! – Maurício com a cara que parecia ter passado óleo de peroba.
E falando entre os dentes:
– Não sei porque o Doutor Smith te paga pra trabalhar.
– E por falar nele, ele deve ter pago pra vocês pegarem…
– Exatamente! – disse Leandro, seguido de uma cotovelada de Maurício.
– E vocês pegaram?
– Sim.
– Aiiii, devolvam, seus ladrões! – disse Sandra. Eu não consigo trabalhar em paz!
– Não tem como devolver, Doutora. Já saiu no xixi – disse Leandro meio sem jeito.
– Hein? – Sandra se espantou confusa.
E Leandro, vendo a confusão, explicou que bebeu um suco que ela havia deixado para trás no quiosque, porque já estava pago mesmo.
– Então foi isso que vocês acharam? Nada mais? – perguntou com um sorriso largo, a bióloga.
De repente, chegam as crianças no parque:
– Realmente é melhor devolvermos o chapéu pro lugar onde o achamos, Bernardo. Mamãe sempre nos ensinou a não pegarmos nada que não seja nosso. Vamos!
Amanda virou-se num repente, correndo em direção ao lugar onde achou o chapéu, como se ele fosse um bumerangue.
Sua avó sempre dizia: “Vibre no bem sem hesitar, porque também sem hesitar ele retornará tal qual um bumerangue, como os que o avô de vocês faz.”
E no quiosque:
– Doutora?
– Sim, Raimundo.
– Sobre o chapéu da Doutora… o bege…
– Ah, já sei que você não o viu… – disse a bióloga desanimada
– Ele está com os meninos ali.
– O quê??? Disse Sandra em um salto.
Assim que Sandra os avistou, foi correndo atrás dos irmãos, e os dois espiões também.
– O que vocês estão fazendo com o meu chapéu?
– O quê? Como podemos saber que é teu? – falou Bernardo pulando pra trás com o chapéu escondido e Amanda escondida atrás dele.
– Eu o deixei aqui hoje bem cedo.
E a Doutora prosseguiu dizendo que no chapéu tinha seu nome – e tinha. E que dentro tinha o nome da empresa na qual ela trabalhava. E tinha!
– NÓS o deixamos aqui hoje bem cedo – disse Maurício, com meio palmo de língua para fora e tentando repetir o que Sandra dissera como se fosse um eco.
Bernardo olhou para Amanda confuso…e se Maurício estivesse falando a verdade? E se a Doutora fosse a verdadeira vilã?
Mas vejam só, que com tanta dúvida de Bernardo… ah! Num pó de perlimpimpim essa história por agora chega ao fim!